Dia 12

Já perdi o número de dias sem nenhum sono, talvez eu releia algo pra contar, talvez não.

Meus pais estão muito desanimados, mas o que eles esperavam, estamos holy shit apocalipse zumbi! Sinto que até meus irmãos estão ficando realmente preocupados com nossa situação.

Eu? Bem, eu não, mas acho que não tenho muitos motivos pra me preocupar. Estamos na floresta, tentando achar algum lugar pra ficar, estavam muito cansados, então resolvemos dormir em turnos debaixo de uma árvore enorme com suas raízes altas. Disseram pra dormir primeiro, meu irmão e eu... Como vou dizer que não sinto necessidade nenhum disso? Então fingi.

Trocaram de turnos algumas vezes, mas não me “acordaram” como se eu fosse a mais frágil e precisasse dormir mais que todos, penso muito em contar pra eles, eu poderia ajudar muito mais sendo uma zumbizóide.

Voltando pra história, estávamos ali descansando quando comecei a ouvir barulhos, senti uma massa enorme de zumbis vindo em nossa direção, então “acordei” e comecei a tentar avisar os tontos, mas ficaram tentando me convencer de que eu tinha tido um sonho, pois eles não podem escutar e sentir como eu.

Enquanto eles examinavam a escuridão eu tentava sentir o caminho menos denso entre os zumbis. Podia apostar que eram zumbis nômades! Logo eu iria por a prova isso também. Quanto finalmente eles se aproximaram de nós e meus pais confirmaram o ataque, eles tentaram correr pro lado errado, seria fatal, eu tinha que fazer algo! Então corri deles em direção ao caminho mais fácil. Deu certo, eles desistiram e começaram a me seguir pela mata.

Eu podia sentir que conseguiria correr muito mais rápido que aquilo, mas não podia sair da visão deles. Levei-os até um ponto onde senti que não haveria mais perigo e então corri mais rápido até eles me perderem. Porem alguns zumbis ainda estavam indo na mesma direção, se meus pais paracem, certamente os zumbis os alcançariam.

Decidi tentar chamar os zumbis para outro lado, corri até eles e fiz barulho, eles simplesmente ignoravam minha presença. Como eu havia previsto, eram zumbis nômades, mas eu não podia imaginar que eles fossem me ignorar. Passavam por mim como se eu fosse nada. Fiquei com tanta raiva deles e fiquei pensando como eu os faria mudar de direção. Foi então que aconteceu! Eles subitamente mudaram de direção!

Corri de volta para meus pais, eles me paparicaram como se eu tivesse corrido todo o perigo ali. Não posso culpá-los, mas eu não posso mais ficar assim. Vou contar pra eles, vou os deixar dormirem hoje, amanhã contarei! Mesmo porque eles iriam se espantar se da próxima vez eu controlar zumbis que se aproximarem de nós.


Dia 11

Estou aqui num floresta, estou me sentindo muito estranha.

Nós estávamos presos naquela jaula, meus familiares dormiram, eu escutava os soldados da milícia se divertindo com nossas coisas, eu fiquei com tanta raiva, tive pensamentos tão horríveis, desejei matar a todos, cada um deles, um de cada vez...

Parece que estou a cada dia mais perversa, eu não sei se é a infecção ou se é essa situação toda. Eu vi um zumbi na certa, era um zumbi comum, não podia escalar, apenas ficava tentando em vão avançar.

Olhei bem pra ele, eu parecia sentir sua fome, sua dor, seu desespero. Estamos acostumados a pensar neles como seres sem mente e alma, mas eu juro que posso sentir uma força querendo companhia, quase uma carência, não sei.

De repente, eu comecei a sentir não um, mas vários, vindo em nossa direção. Será que eu realmente posso senti-los? Ou foi coincidência quando vi que realmente vários se aproximavam?
Eu presa ali na jaula, senti um desejo de pedir socorro, aquilo percorria meu ser como uma vontade de tossir irresistível! Então eu gritei, gritei como nunca havia feito, com uma voz que não era minha, perdi a visão por alguns segundo, apenas podia me ouvir dando aquele grito que me fazia arrepiar!

Quando voltei, dezenas de zumbis escalavam as cercas de forma violenta! Minha família me olhando como se vissem o próprio capeta! Ouvimos muitos tiros, a milícia se defendia como podia, porem eram muitos. Senti o gosto da carne deles em meus dentes, como se eu mesma estivesse os mordendo. Foram todos dominados, eu sabia disso sim, pois senti paz.

Os zumbis nos acharam na jaula, nos cercaram e tentavam nos alcançar pelas grades. Ouvi de longe sons de motos roncando, eu sabia quem era, era Tinão! Eu disse a minha família que Tinão iria nos salvar, mas eles não acreditaram ou estavam muito assustados para responder.

Então vimos os faróis, os zumbis correram caçar as motos, Tinão chegou a pé e abriu nossa jaula.

– Tinão! Eu sabia que estava vindo... – Eu disse chorando

– Menina, eu sei o que você fez, eu posso sentir, não poderia deixar você em apuros.

Eu fiquei assustada por ele ter dito aquilo, mas não tivemos muito tempo, mais zumbis apareceram, então ele subiu em sua moto e chamou a atenção deles, assim corremos para a floresta enquanto os motoqueiros os distraiam.

Perdemos todas as nossas coisas, mas estamos vivos. A cada dia o mistério de minha infecção se faz mais... misterioso. Mas só posso dizer que adorei, adorei ver todos morrerem e não vou mais lutar contra isso... é como eu sou agora.


Sonhos #1


Dia 10 - Milícias

Dia 10

Eu me apeguei ao Tinão, mas tivemos que continuar a viagem. O carro está bem pesado de suprimentos, eu não sei se realmente precisamos de tudo isso, mas meu pai está ficando cada vez mais neurótico com comida conforme fomos percebendo as latas desaparecerem dos mercados. Era de se esperar, já que ninguém mais está fabricando comida. 

Deixamos o bar muito bem fechado, Tinão ainda vai ficar mais um dia ou dois para recuperar suas forças. 

Não gosto do barulho que o carro faz, está muito pesado, eu até reclamei com meu pai, porem ele disse que o carro aguenta, então eu acredito né.

Pois bem, estávamos nós viajando tranquilamente quando chegamos a um posto montado bem na pista, estranhamos muito, eram coisas que pareciam ser do exército, minha mãe ficou muito contente, ela achou que poderia ser algum tipo de resistência oficial, uma esperança em fim de dias melhores.

Eu fiquei muito temerosa, certamente eles iriam me analisar, descobririam minha infecção e provavelmente meteriam uma bala na minha cabeça na frente da minha família enquanto eles gritavam “nãaaaaooo”... eu vi muito isso nos filmes, sei como é.

O moço, todo fardado, um pouco magro pra um soldado, fez sinal para diminuirmos. Começou a conversar com meu pai, perguntando onde estávamos indo, se tínhamos armas, se havia alguém infectado... Até o momento em que ele viu a mão do meu irmão enfaixada! Se afastou do carro e apontou o rifle para meu pai, mandou que todos saíssemos do carro e gritou por um tal de Carlos.

Ficamos deitados no chão quente então eles discutiam num canto, então nos levaram de forma nada gentil a uma jaula, isso mesmo, uma enorme jaula, fiquei pensando na razão deles terem uma jaula, mas lá estávamos nós, presos como animais. Não nos contaram nada, apenas vimos que apareceram mais soldados que descarregaram nosso carro. Meu pai passava as mãos na cabeça, como ele faz quando está nervoso.

Felizmente nos devolveram nossas mochilas com alguns alimentos, só tiraram facas e canivetes que tínhamos... Pelo menos posso escrever aqui, pelo jeito vou ficar por algum tempo aqui, talvez eu me transforme num zumbi e mate todos nesse acampamento... Isso seria bom, muito bom, arrancar as suas gargantas com os dentes e sentir o sangue jorrar em minha boca, sangue salgadinho, bem quentinho e a carne dura dos humanos, carne podre e deliciosa...

O que eu acabei de escrever? Eu fiquei algumas horas pasma desde nesse último parágrafo, sinto um desejo enorme de morder as pessoas, não minha família, algumas vezes perco o controle. Estou com medo de dormir, presos nessa jaula eles não terão chance se eu me transformar.

Eu vou ficar acordada, seja o que for me acontecer, não vou deixar que seja hoje, hoje não.


Dia 9

Estou ansiosa pra escrever tudo que aconteceu ontem!

Bem, chegamos a um bar como eu tinha dito. Amarrei o Focinho dentro do carro, para ele não criar problemas, minha mãe, Pedro e eu ficamos do lado de fora vigiando, escondidas atrás do contêiner de lixo. 

O Focinho ficava chorando dentro do carro, mas com as janelas fechadas não dava pra escutar tanto assim.
Escutei algo de vidro cair dentro do bar, eu perguntei a minha mãe, mas ela disse que não ouviu nada, disse que se fosse alguma coisa eles teriam gritado. Olhei para meu braço e vi uma verruga, tive que ficar puxando a manga para esconder. Novamente escutei algo, dessa vez uma porta batendo. Eu insisti a minha mãe, mas ela negava ter ouvido qualquer coisa e Pedro confirmou.

De repente meu pai apareceu cheio de sangue nas mãos e no peito! Minha mãe se tremeu toda e o Pedro já fez cara de choro, eu ri da cara dele, mesmo vendo meu pai ensanguentado. Mas logo ele acalmou minha mãe dizendo que o sangue não era dele.

Peguei o Focinho e fomos todos para dentro, trancamos tudo como pudemos, tinha um piano antigo no bar, era muito pesado, então o colocamos contra a porta. As janelas eram pequenas e ainda tinham vidros, então estávamos mais ou menos seguros por enquanto.

Eu não tinha visto Michel, será que o sangue era dele e meu pai não nos contou? Eles foram para um cômodo nos fundo e fiquei com o Pedro. Que mistério eles estavam guardando?

Saíram do cômodo carregando um homem estranho, estava ferido na barriga, o colocaram sobre a mesa de sinuca. Ele gemia muito e pedia muito para não o deixarmos ali sozinho. Ele era grande e forte, barbas de pelos grossos, negros e pintados um pouco algo azul, meio careca e jaqueta de couro, como os motoqueiros que vi da TV.

Ele nos contou que estava com um grupo de motoqueiros, entraram no bar para passar a noite e um zumbi escalador apareceu do nada, não sabiam se ele entrou enquanto dormiam ou se ele já estava ali dentro escondido. Quando ele abriu os olhos no susto, o zumbi estava no teto, saltou sobre um de seus amigos o mordendo. Todos começaram a lutar com o zumbi, vários ficaram feridos e ele acabou caindo sobre um taco de sinuca partido. Seus amigos correram pelos fundos, o zumbi os perseguiu, ele então foi até a dispensa e se escondeu ali e desmaiou. Quando acordou novamente ouvindo os passos de meu pai ele assustou e derrubou um jarro de vidro, meu pai foi ver o que era, quando o viu pensou ser um zumbi e bateu a porta até o ouvir pedir por socorro.

Isso quer dizer que eu tenho um bom ouvido, nem minha irmã, nem meu irmão puderam ouvir, mas eu sim.
Fizemos comida, tentamos limpar as feridas dele, mas o sangue não parava de sair. Ele estava muito mal. Embora fosse um homem bruto, parecia ser alguém legal. Quando fomos dormir, Michel ficou com a primeira guarda. Eu não estava com sono e queria muito ajudar o homem. Esperei acordada até que Michel foi ao banheiro. Eu puxei a verruga de meu braço e segurei a mesma sobre a ferida do senhor. Os tentáculos começaram a se infiltrar na pele, percorriam rapidamente por toda a ferida como se a costurasse. Segurei o quando pude até ouvir a porta do banheiro abrir, então puxei com força até arrebentar os tentáculos.

Fui dormir ou fingir que dormia, fiquei a noite toda acordada pensando sobre o zumbi escalador, subindo pelas paredes, escondendo-se nos mais inesperados locais. Enfim a manhã chegou, pra minha surpresa o homem despertou, parecia muito melhor, até sua cor tinha melhorado. Eu não sei se o que eu fiz o curou ou se está o transformando por dentro, porem acredito que lhe dei mais algum tempo.

Meus pais decidiram ficar aqui mais um tempo, havia tanta comida ali que não caberia no carro e o senhor ainda precisava de ajuda. Passamos quase o dia todo conversando sobre as aventuras dos motoqueiros, como eles se livravam de hordas de zumbis nas estradas fazendo formações com as motos e espadas improvisadas. Finalmente lembrei de perguntar o nome dele, até então o chamávamos de senhor.

Ele disse que seu nome era Tinão, perguntei o nome real, mas ele disse que aquele nome não existia mais, aquela pessoa havia morrido e que agora era só Tinão. Enquanto os outros tentavam encaixar mais comida no carro, achar coisas úteis etc, fiquei jogando cartas com Tinão, de olho na ferida que cicatrizava muito bem.

Gostei muito dele, até sonhei em pegarmos motos e criamos uma gangue da família. Mas o Tinão já havia dito que quanto estivesse melhor iria atrás de seus amigos, mesmo que eles tivessem o deixado, disse que o medo o teria ter feito o mesmo e que como nós, respeitávamos a regra: nunca voltar pra salvar ninguém.

Então é isso, estava animada para registrar aqui o feito das minhas verrugas, talvez não sejam tão ruins assim, talvez eu não vire um zumbi.


Dia 8

Foi tudo bem durante a noite, acordamos algumas vezes assustados, mas eram apenas animais passando.
Eu acho que não vou sobreviver muito tempo, apareceu uma verruga zumbi na minha perna. Sinto-me bem e forte, eu não dormi muito, mesmo assim não estou com sono. Mas a contaminação está feia, se fizer calor não vou conseguir esconder com o cachecol.

As verrugas que eu arranquei grudaram no tapete do carro e formaram uma bolinha em cima, eu espremi uma e pequenos espinhos semitransparentes grudaram nos meus dedos. Não é de se admirar que a contaminação tenha sido tão grande. Eu sempre pensei que mesmo com os zumbis mordedores, como o exército e todas as pessoas que lutaram nos primeiros dias não continham os zumbis. O inimigo estava em todo lugar, a gente só não podia ver.

Eu gostaria de saber se as pessoas das grandes cidades chegaram a saber disso ou se não deu tempo. Imagino que com a correria ninguém parou pra olhar coisas minúsculas, mas deve haver um laboratório em algum lugar do mundo, nesse exato momento criando uma cura ou pelo menos uma vacina pra essa coisa e talvez amanhã, homens vestidos de sacos de lixo apareçam e me apliquem a injeção salvadora.
A quem eu quero enganar, isso não vai acontecer, quase não vemos pessoas vivas, como iriam nos achar antes de eu virar um deles? Talvez amanhã eu fuja, eu já disse isso, mas estou tentando aproveitar o máximo que resta da minha vida.

Estou pensando nesse cachorrinho. Ainda nem dei nome a ele, talvez seja melhor, assim não me apego tanto... Droga! Já pensei, agora é tarde, sem querer acabei de dar um nome a ele, vai se chamar espirro, porque o focinho dele lembra os zumbis que espirram.

Acho que não falei deles, esses zumbis espirram tanto que suas cabeças moles acabam formando um bico, é bem feio, um dia desenho ele. Eles não são tão perigosos, porque depois que a pessoa morre, fica parada num canto espirrando na direção de quem passa. A não ser que esteja num corredor estreito, não há problema. Mas se você receber uma espirrada dele... Já era! Você cai inconsciente e os tentáculos das verrugas crescem até você. Se tiver muita sorte será absorvido pelo zumbi ou então, mais possivelmente, acordará espirando muito, muito tonto, vai procurar um canto pra cair e espirrar pro resto da vida zumbi...

A viagem de hoje foi tranquila, mas tivemos que parar várias vezes para tirar os carros abandonados da pista. Numa dessas paradas eu acho que vi uma coisa correndo pras árvores. Pelo jeito que corria devia ser uma pessoa viva, mesmo porque se fosse um zumbi corredor provavelmente correria para nos pegar e não da gente.

Eu estou escrevendo aqui e notando como as veias das minhas mãos estão escuras, parecem até que estão se mexendo, fico imaginando que podem estar cheia de tentáculos zumbis, isso me dá nojo, porem ao mesmo tempo me dá uma vontade de morder carne. É estranho, talvez eu vá virar um zumbi mordedor mesmo.

Estamos parando num bar a beira da estrada. Logo vai escurecer, então eu vou ali ajudar eles a investigar o local, amanhã eu conto como foi (espero).