Dia 60

Sim, eu pulei alguns dias, talvez vários... Não, muitos dias no diário. Achamos uma cabana de caça na floresta, é bem pequena, mas as paredes são feitas de toras grossas, não tem como poucos zumbis destruírem isso. Sem contar que geralmente sinto a presença deles e os desvios antes que minha família veja. Isso fez 
com que eles sentissem que o local era seguro para ficarmos.

Não, eu não contei sobre mim para minha família como eu tinha escrito que eu iria fazer, aqui está muito confortável e depois de passar tantos dias eu não me transformei em nada, estou cada vez mais segura que minha contaminação é algo bom, também não vejo nenhum sinal de contaminação na minha família. Até os esporos do meu corpo estão sob controle, eu quero dizer literalmente, eu descobri que posso controlar se produzo esporos ou não.

Porque voltei a escrever? Bem, sinto que logo vamos ter que sair daqui, sinto algo se aproximando lentamente, algo grande, algo que eu não tenho controle. Pelo contrário, a coisa parece exercer uma forte impressão sobre mim, tenho medo que possa me controlar como eu faço com os zumbis normais. Então decidi registrar essa minha preocupação.

Pelo que eu posso entender, talvez amanhã ou depois a tal coisa fique muito próxima de nossa área de caça, isso pode ser perigoso se meu pai quiser ir um pouco além para caçar. Não sei o que fazer ainda, não sei como os convencer a ir embora, estou até mesmo pensando em usar os zumbis para forçar uma saída, porem tenho medo de acabar machucando alguém da minha família. Algo tem que ser feito e será feito logo.


Se encontrar meu diário só até aqui, seja lá o que eu tiver pensado em fazer... falhou. 


Dia 12

Já perdi o número de dias sem nenhum sono, talvez eu releia algo pra contar, talvez não.

Meus pais estão muito desanimados, mas o que eles esperavam, estamos holy shit apocalipse zumbi! Sinto que até meus irmãos estão ficando realmente preocupados com nossa situação.

Eu? Bem, eu não, mas acho que não tenho muitos motivos pra me preocupar. Estamos na floresta, tentando achar algum lugar pra ficar, estavam muito cansados, então resolvemos dormir em turnos debaixo de uma árvore enorme com suas raízes altas. Disseram pra dormir primeiro, meu irmão e eu... Como vou dizer que não sinto necessidade nenhum disso? Então fingi.

Trocaram de turnos algumas vezes, mas não me “acordaram” como se eu fosse a mais frágil e precisasse dormir mais que todos, penso muito em contar pra eles, eu poderia ajudar muito mais sendo uma zumbizóide.

Voltando pra história, estávamos ali descansando quando comecei a ouvir barulhos, senti uma massa enorme de zumbis vindo em nossa direção, então “acordei” e comecei a tentar avisar os tontos, mas ficaram tentando me convencer de que eu tinha tido um sonho, pois eles não podem escutar e sentir como eu.

Enquanto eles examinavam a escuridão eu tentava sentir o caminho menos denso entre os zumbis. Podia apostar que eram zumbis nômades! Logo eu iria por a prova isso também. Quanto finalmente eles se aproximaram de nós e meus pais confirmaram o ataque, eles tentaram correr pro lado errado, seria fatal, eu tinha que fazer algo! Então corri deles em direção ao caminho mais fácil. Deu certo, eles desistiram e começaram a me seguir pela mata.

Eu podia sentir que conseguiria correr muito mais rápido que aquilo, mas não podia sair da visão deles. Levei-os até um ponto onde senti que não haveria mais perigo e então corri mais rápido até eles me perderem. Porem alguns zumbis ainda estavam indo na mesma direção, se meus pais paracem, certamente os zumbis os alcançariam.

Decidi tentar chamar os zumbis para outro lado, corri até eles e fiz barulho, eles simplesmente ignoravam minha presença. Como eu havia previsto, eram zumbis nômades, mas eu não podia imaginar que eles fossem me ignorar. Passavam por mim como se eu fosse nada. Fiquei com tanta raiva deles e fiquei pensando como eu os faria mudar de direção. Foi então que aconteceu! Eles subitamente mudaram de direção!

Corri de volta para meus pais, eles me paparicaram como se eu tivesse corrido todo o perigo ali. Não posso culpá-los, mas eu não posso mais ficar assim. Vou contar pra eles, vou os deixar dormirem hoje, amanhã contarei! Mesmo porque eles iriam se espantar se da próxima vez eu controlar zumbis que se aproximarem de nós.


Dia 11

Estou aqui num floresta, estou me sentindo muito estranha.

Nós estávamos presos naquela jaula, meus familiares dormiram, eu escutava os soldados da milícia se divertindo com nossas coisas, eu fiquei com tanta raiva, tive pensamentos tão horríveis, desejei matar a todos, cada um deles, um de cada vez...

Parece que estou a cada dia mais perversa, eu não sei se é a infecção ou se é essa situação toda. Eu vi um zumbi na certa, era um zumbi comum, não podia escalar, apenas ficava tentando em vão avançar.

Olhei bem pra ele, eu parecia sentir sua fome, sua dor, seu desespero. Estamos acostumados a pensar neles como seres sem mente e alma, mas eu juro que posso sentir uma força querendo companhia, quase uma carência, não sei.

De repente, eu comecei a sentir não um, mas vários, vindo em nossa direção. Será que eu realmente posso senti-los? Ou foi coincidência quando vi que realmente vários se aproximavam?
Eu presa ali na jaula, senti um desejo de pedir socorro, aquilo percorria meu ser como uma vontade de tossir irresistível! Então eu gritei, gritei como nunca havia feito, com uma voz que não era minha, perdi a visão por alguns segundo, apenas podia me ouvir dando aquele grito que me fazia arrepiar!

Quando voltei, dezenas de zumbis escalavam as cercas de forma violenta! Minha família me olhando como se vissem o próprio capeta! Ouvimos muitos tiros, a milícia se defendia como podia, porem eram muitos. Senti o gosto da carne deles em meus dentes, como se eu mesma estivesse os mordendo. Foram todos dominados, eu sabia disso sim, pois senti paz.

Os zumbis nos acharam na jaula, nos cercaram e tentavam nos alcançar pelas grades. Ouvi de longe sons de motos roncando, eu sabia quem era, era Tinão! Eu disse a minha família que Tinão iria nos salvar, mas eles não acreditaram ou estavam muito assustados para responder.

Então vimos os faróis, os zumbis correram caçar as motos, Tinão chegou a pé e abriu nossa jaula.

– Tinão! Eu sabia que estava vindo... – Eu disse chorando

– Menina, eu sei o que você fez, eu posso sentir, não poderia deixar você em apuros.

Eu fiquei assustada por ele ter dito aquilo, mas não tivemos muito tempo, mais zumbis apareceram, então ele subiu em sua moto e chamou a atenção deles, assim corremos para a floresta enquanto os motoqueiros os distraiam.

Perdemos todas as nossas coisas, mas estamos vivos. A cada dia o mistério de minha infecção se faz mais... misterioso. Mas só posso dizer que adorei, adorei ver todos morrerem e não vou mais lutar contra isso... é como eu sou agora.


Sonhos #1


Dia 10 - Milícias

Dia 10

Eu me apeguei ao Tinão, mas tivemos que continuar a viagem. O carro está bem pesado de suprimentos, eu não sei se realmente precisamos de tudo isso, mas meu pai está ficando cada vez mais neurótico com comida conforme fomos percebendo as latas desaparecerem dos mercados. Era de se esperar, já que ninguém mais está fabricando comida. 

Deixamos o bar muito bem fechado, Tinão ainda vai ficar mais um dia ou dois para recuperar suas forças. 

Não gosto do barulho que o carro faz, está muito pesado, eu até reclamei com meu pai, porem ele disse que o carro aguenta, então eu acredito né.

Pois bem, estávamos nós viajando tranquilamente quando chegamos a um posto montado bem na pista, estranhamos muito, eram coisas que pareciam ser do exército, minha mãe ficou muito contente, ela achou que poderia ser algum tipo de resistência oficial, uma esperança em fim de dias melhores.

Eu fiquei muito temerosa, certamente eles iriam me analisar, descobririam minha infecção e provavelmente meteriam uma bala na minha cabeça na frente da minha família enquanto eles gritavam “nãaaaaooo”... eu vi muito isso nos filmes, sei como é.

O moço, todo fardado, um pouco magro pra um soldado, fez sinal para diminuirmos. Começou a conversar com meu pai, perguntando onde estávamos indo, se tínhamos armas, se havia alguém infectado... Até o momento em que ele viu a mão do meu irmão enfaixada! Se afastou do carro e apontou o rifle para meu pai, mandou que todos saíssemos do carro e gritou por um tal de Carlos.

Ficamos deitados no chão quente então eles discutiam num canto, então nos levaram de forma nada gentil a uma jaula, isso mesmo, uma enorme jaula, fiquei pensando na razão deles terem uma jaula, mas lá estávamos nós, presos como animais. Não nos contaram nada, apenas vimos que apareceram mais soldados que descarregaram nosso carro. Meu pai passava as mãos na cabeça, como ele faz quando está nervoso.

Felizmente nos devolveram nossas mochilas com alguns alimentos, só tiraram facas e canivetes que tínhamos... Pelo menos posso escrever aqui, pelo jeito vou ficar por algum tempo aqui, talvez eu me transforme num zumbi e mate todos nesse acampamento... Isso seria bom, muito bom, arrancar as suas gargantas com os dentes e sentir o sangue jorrar em minha boca, sangue salgadinho, bem quentinho e a carne dura dos humanos, carne podre e deliciosa...

O que eu acabei de escrever? Eu fiquei algumas horas pasma desde nesse último parágrafo, sinto um desejo enorme de morder as pessoas, não minha família, algumas vezes perco o controle. Estou com medo de dormir, presos nessa jaula eles não terão chance se eu me transformar.

Eu vou ficar acordada, seja o que for me acontecer, não vou deixar que seja hoje, hoje não.


Dia 9

Estou ansiosa pra escrever tudo que aconteceu ontem!

Bem, chegamos a um bar como eu tinha dito. Amarrei o Focinho dentro do carro, para ele não criar problemas, minha mãe, Pedro e eu ficamos do lado de fora vigiando, escondidas atrás do contêiner de lixo. 

O Focinho ficava chorando dentro do carro, mas com as janelas fechadas não dava pra escutar tanto assim.
Escutei algo de vidro cair dentro do bar, eu perguntei a minha mãe, mas ela disse que não ouviu nada, disse que se fosse alguma coisa eles teriam gritado. Olhei para meu braço e vi uma verruga, tive que ficar puxando a manga para esconder. Novamente escutei algo, dessa vez uma porta batendo. Eu insisti a minha mãe, mas ela negava ter ouvido qualquer coisa e Pedro confirmou.

De repente meu pai apareceu cheio de sangue nas mãos e no peito! Minha mãe se tremeu toda e o Pedro já fez cara de choro, eu ri da cara dele, mesmo vendo meu pai ensanguentado. Mas logo ele acalmou minha mãe dizendo que o sangue não era dele.

Peguei o Focinho e fomos todos para dentro, trancamos tudo como pudemos, tinha um piano antigo no bar, era muito pesado, então o colocamos contra a porta. As janelas eram pequenas e ainda tinham vidros, então estávamos mais ou menos seguros por enquanto.

Eu não tinha visto Michel, será que o sangue era dele e meu pai não nos contou? Eles foram para um cômodo nos fundo e fiquei com o Pedro. Que mistério eles estavam guardando?

Saíram do cômodo carregando um homem estranho, estava ferido na barriga, o colocaram sobre a mesa de sinuca. Ele gemia muito e pedia muito para não o deixarmos ali sozinho. Ele era grande e forte, barbas de pelos grossos, negros e pintados um pouco algo azul, meio careca e jaqueta de couro, como os motoqueiros que vi da TV.

Ele nos contou que estava com um grupo de motoqueiros, entraram no bar para passar a noite e um zumbi escalador apareceu do nada, não sabiam se ele entrou enquanto dormiam ou se ele já estava ali dentro escondido. Quando ele abriu os olhos no susto, o zumbi estava no teto, saltou sobre um de seus amigos o mordendo. Todos começaram a lutar com o zumbi, vários ficaram feridos e ele acabou caindo sobre um taco de sinuca partido. Seus amigos correram pelos fundos, o zumbi os perseguiu, ele então foi até a dispensa e se escondeu ali e desmaiou. Quando acordou novamente ouvindo os passos de meu pai ele assustou e derrubou um jarro de vidro, meu pai foi ver o que era, quando o viu pensou ser um zumbi e bateu a porta até o ouvir pedir por socorro.

Isso quer dizer que eu tenho um bom ouvido, nem minha irmã, nem meu irmão puderam ouvir, mas eu sim.
Fizemos comida, tentamos limpar as feridas dele, mas o sangue não parava de sair. Ele estava muito mal. Embora fosse um homem bruto, parecia ser alguém legal. Quando fomos dormir, Michel ficou com a primeira guarda. Eu não estava com sono e queria muito ajudar o homem. Esperei acordada até que Michel foi ao banheiro. Eu puxei a verruga de meu braço e segurei a mesma sobre a ferida do senhor. Os tentáculos começaram a se infiltrar na pele, percorriam rapidamente por toda a ferida como se a costurasse. Segurei o quando pude até ouvir a porta do banheiro abrir, então puxei com força até arrebentar os tentáculos.

Fui dormir ou fingir que dormia, fiquei a noite toda acordada pensando sobre o zumbi escalador, subindo pelas paredes, escondendo-se nos mais inesperados locais. Enfim a manhã chegou, pra minha surpresa o homem despertou, parecia muito melhor, até sua cor tinha melhorado. Eu não sei se o que eu fiz o curou ou se está o transformando por dentro, porem acredito que lhe dei mais algum tempo.

Meus pais decidiram ficar aqui mais um tempo, havia tanta comida ali que não caberia no carro e o senhor ainda precisava de ajuda. Passamos quase o dia todo conversando sobre as aventuras dos motoqueiros, como eles se livravam de hordas de zumbis nas estradas fazendo formações com as motos e espadas improvisadas. Finalmente lembrei de perguntar o nome dele, até então o chamávamos de senhor.

Ele disse que seu nome era Tinão, perguntei o nome real, mas ele disse que aquele nome não existia mais, aquela pessoa havia morrido e que agora era só Tinão. Enquanto os outros tentavam encaixar mais comida no carro, achar coisas úteis etc, fiquei jogando cartas com Tinão, de olho na ferida que cicatrizava muito bem.

Gostei muito dele, até sonhei em pegarmos motos e criamos uma gangue da família. Mas o Tinão já havia dito que quanto estivesse melhor iria atrás de seus amigos, mesmo que eles tivessem o deixado, disse que o medo o teria ter feito o mesmo e que como nós, respeitávamos a regra: nunca voltar pra salvar ninguém.

Então é isso, estava animada para registrar aqui o feito das minhas verrugas, talvez não sejam tão ruins assim, talvez eu não vire um zumbi.


Dia 8

Foi tudo bem durante a noite, acordamos algumas vezes assustados, mas eram apenas animais passando.
Eu acho que não vou sobreviver muito tempo, apareceu uma verruga zumbi na minha perna. Sinto-me bem e forte, eu não dormi muito, mesmo assim não estou com sono. Mas a contaminação está feia, se fizer calor não vou conseguir esconder com o cachecol.

As verrugas que eu arranquei grudaram no tapete do carro e formaram uma bolinha em cima, eu espremi uma e pequenos espinhos semitransparentes grudaram nos meus dedos. Não é de se admirar que a contaminação tenha sido tão grande. Eu sempre pensei que mesmo com os zumbis mordedores, como o exército e todas as pessoas que lutaram nos primeiros dias não continham os zumbis. O inimigo estava em todo lugar, a gente só não podia ver.

Eu gostaria de saber se as pessoas das grandes cidades chegaram a saber disso ou se não deu tempo. Imagino que com a correria ninguém parou pra olhar coisas minúsculas, mas deve haver um laboratório em algum lugar do mundo, nesse exato momento criando uma cura ou pelo menos uma vacina pra essa coisa e talvez amanhã, homens vestidos de sacos de lixo apareçam e me apliquem a injeção salvadora.
A quem eu quero enganar, isso não vai acontecer, quase não vemos pessoas vivas, como iriam nos achar antes de eu virar um deles? Talvez amanhã eu fuja, eu já disse isso, mas estou tentando aproveitar o máximo que resta da minha vida.

Estou pensando nesse cachorrinho. Ainda nem dei nome a ele, talvez seja melhor, assim não me apego tanto... Droga! Já pensei, agora é tarde, sem querer acabei de dar um nome a ele, vai se chamar espirro, porque o focinho dele lembra os zumbis que espirram.

Acho que não falei deles, esses zumbis espirram tanto que suas cabeças moles acabam formando um bico, é bem feio, um dia desenho ele. Eles não são tão perigosos, porque depois que a pessoa morre, fica parada num canto espirrando na direção de quem passa. A não ser que esteja num corredor estreito, não há problema. Mas se você receber uma espirrada dele... Já era! Você cai inconsciente e os tentáculos das verrugas crescem até você. Se tiver muita sorte será absorvido pelo zumbi ou então, mais possivelmente, acordará espirando muito, muito tonto, vai procurar um canto pra cair e espirrar pro resto da vida zumbi...

A viagem de hoje foi tranquila, mas tivemos que parar várias vezes para tirar os carros abandonados da pista. Numa dessas paradas eu acho que vi uma coisa correndo pras árvores. Pelo jeito que corria devia ser uma pessoa viva, mesmo porque se fosse um zumbi corredor provavelmente correria para nos pegar e não da gente.

Eu estou escrevendo aqui e notando como as veias das minhas mãos estão escuras, parecem até que estão se mexendo, fico imaginando que podem estar cheia de tentáculos zumbis, isso me dá nojo, porem ao mesmo tempo me dá uma vontade de morder carne. É estranho, talvez eu vá virar um zumbi mordedor mesmo.

Estamos parando num bar a beira da estrada. Logo vai escurecer, então eu vou ali ajudar eles a investigar o local, amanhã eu conto como foi (espero).




Dia 7

Bom dia diário.

Eles não entendem o que eu tenho com você, nossa amizade. Eles se irritam porque te levo pra todo lugar, mas eles não sabem o que você se tornou pra mim. Com você eu posso dizer tudo, tudo o que eu sinto e principalmente o que eu não sinto.

Eu acho que estou contaminada. Aquele carrapato que peguei do cavalo devia estar com sangue zumbi. Eu estava apalpando e pequenas bolinhas em volta da picada pareciam agarrar nos meus dedos. É bem como agem as verrugas zumbis. Depois olhei perto do cilindro de aço, eu pude ver que estão ali. Não quero falar para meus pais agora. Não sei como vão reagir, não vão poder arrancar o meu pescoço para que eu não me transforme.

É triste saber que eu vou perder minha memória, minha razão e sumir. Quantas pessoas eu vou matar? Será que matarei minha própria família? Eles vão ter coragem que enfiar uma estava no meio da minha testa? Não sei, só sei que se eu sentir que estou indo embora eu vou correr o mais longe que eu puder. Talvez eu devesse ter fugido enquanto dormiam ontem.

De qualquer forma, continuarei escrevendo, continuarei até que eu sinta que você não me escute mais, até que eu esteja sozinha.

Depois que saímos do túnel onde dormimos, viajamos até uma cidade, eu não sei o nome, mas parecia bem deserta. Fomos até o posto e tentamos usar o sugador de gasolina que o Michel fez, mas não deu muito certo. No lugar onde colocavam os carros para trocar pneu, tinha uma bomba dessas de bicicleta, então meu pai levou para Michel e substituíram pelo fole que não tinha funcionado. Assim conseguimos encher todos os três galões.

Então procuramos um carro melhor, vários deles estavam repletos de musgo zumbi. Musgo zumbi é quando você mata um zumbi e ele vai apodrecendo, ele vai derretendo e em toda a extensão da gosma nasce um musgo. É bem perigoso, se alguém colocar a mão ali ou até mesmo respirar o ar perto do musgo pode ficar infectado!

Quase todos os carros estavam com um pedaço de zumbi musgo ou um inteiro. Quando meus pais se afastaram um pouco, eu vi um carro aberto, examinei todinho. Havia apenas um pedaço de musgo, a julgar pelos ossos, parecia ser uma mão de algum zumbi. Como eu já estava contaminada, decidi tacar a mão ali e limpar o banco traseiro. Limpei o mais rápido que eu pude! E então chamei meus pais.

Eles examinaram o carro, acharam estranho que estava com o banco traseiro molhado, mas como estava com cheiro de gasolina não pensaram que poderia ser algo de zumbi. Passamos todas as coisas para o carro novo, agora cheio de gasolina. Mas poderíamos ver a lojinha por comida. Já estávamos ganhando, mas comida sempre é bom!

Meu pai e Michel foram investigar. Pedro, muito chato ficou olhando para o pedaço de musgo que eu havia tirado do carro e jogado no matinho ali perto, parecia que ele tinha farejado como um cão o meu crime! Ele olhava para o carro e para o musgo como se medindo se as duas coisas faziam parte uma da outra. Fique com muita raiva e fiquei olhando direto pra ele, minha vontade era de arrancar a cabeça dele e mastigar seus olhos!

Nossa, mas o que eu estou escrevendo? É verdade, eu fiquei com raiva aquela hora, mas eu nunca faria isso com meu irmão! Será que estou ficando louca como um zumbi? Será que é essa ira que os zumbis mordedores sentem?

Enfim, meu pai e Michel acharam algumas coisas, nada demais, salgadinhos e refrigerantes. Mas já é alguma coisa. Depois viajamos por um bom tempo, o carro novo é melhor, maior, eu gostei, mesmo sabendo que estou sentada em bactérias zumbis.


Paramos, não tem nada aqui, apenas pastos gigantes, vamos dormir no carro. Fico um pouco preocupada, não sei se eu posso transmitir por ar minha contaminação com os vidros fechados. Contudo estou puxando algumas verrugas, a dor não é tão forte. Elas são estranhas, tem perninhas finas como cabelos, elas ainda se mexem por um bom tempo depois que você arranca. Se continuar nascendo mais, logo não será possível esconder dos meus pais.

Dia 6

Eu não pude escrever ontem, minha caneta quebrou! Por sorte achei outra e uma caixa de lápis de cor, até fiz um desenho na página anterior.  Eu não sei desenhar, mas vou começar a descrever os zumbis que eu achar pela viagem, quem sabe se o mundo voltar a ser mundo eu ainda viro uma pesquisadora de zumbi e ganho o prêmio Nobel Zumbi!

Ontem foi cansativo, viajamos tanto, todos os lugares que achamos para parar estavam infestados de zumbis, o carro está fazendo um barulho estranho, acho que é de tanto atropelar os bichos. Seria melhor ter um tanque de guerra nessas horas!

Vi um tipo de zumbi bem estranho hoje, só tinha ouvido falar pelo meu tio, um especializado em correr, possivelmente uma variação do zumbi mordedor, pois segundo meu tio ele também morde. Esses seres começam a desenvolver os ossos da perna e ficam muito altos, apenas as pernas crescem e ficam finas.

Ele nos viu e correu atrás do carro, era tão rápido que mesmo meu pai acelerando ele chegou até a janela lateral. Meu pai bateu com o carro nele várias vezes, mas ele não desistia, então quando chegamos a uma descida, o bicho fico bem atrás do nosso carro e meu pai freou com tudo! O bicho bateu na traseira, quebrou o vidro e caiu no chão, demos ré e passamos por cima dele várias vezes. Pensa que ele morreu?
Quer dizer, morreu de novo? Nada, meu pai teve que descer no carro e pisar na cabeça dele até estourar.

Seguimos viagem, a gasolina está baixa, se não acharmos combustível logo as coisas podem ficar complicadas pra nós. Ao passar por um túnel na estrada, achamos uma portinha, Michel e meu pai foram vasculhar, estava vazio, era como um quarto de tranqueiras, com várias ferramentas e peças que usavam no túnel. Meu irmão achou que pode fabricar uma bomba pra sugar combustível como a do moço que nos ajudou no posto. Tomara que ele consiga, ele é bem inteligente.

Deixamos o carro bem encostado na porta e trancamos bem. Vamos passar a noite aqui, vou ver se consigo desenhar o zumbi corredor pra passar o tempo.



Dia 5



Ontem eu não aguentei, mesmo naquela situação, presa no celeiro com meu irmão mordido, caí no sono. 

Quando acordei já era dia novamente, meu irmão estava de pé, parece estar se recuperando bem. Metade das pessoas que amputam seus membros mordidos sobrevive, espero que ter cortado o dedinho dele seja suficiente.

Estávamos conversando pra decidir como fugir dali, porque não tínhamos quase nada de comida, apenas o que estava na minha mochila e nada de água. Não poderíamos ficar ali até perdermos as forças e só então tentar escapar. Porem ouvimos uns latidos fininhos, talvez fosse o cachorrinho! Meu coração gelou na hora, imaginei ele sendo estraçalhado pelos zumbis.

Percebemos pelas frestas das tábuas que os mordedores começaram a deixar o local e ir em direção aos latidos, corremos para a porta, o carro ainda estava lá e meu pai olhava pela janela da casa. Então fomos abaixados até o carro, meus pais saíram da cassa e vieram até nós.

– Pai! O cachorrinho!
– Nem pensar, não vou arriscar a gente por um cachorro!
– Mas ele nos salvou, eles estão chegando perto! Por favor, pai, pai, pai!

O bobinho do cachorrinho continuava a latir, mas não deixava os mordedores se aproximarem. Meu pai hesitou alguns momentos e ligou o carro, para minha surpresa ele avançou em direção ao bando, atropelamos alguns, passamos a frente deles, minha mãe abriu a porta e chamou o cachorrinho. Ele não vinha, ficou parado olhando enquanto os zumbis chegavam. Eu não aguentei, desci do carro e corri atrás do danado que ficou com medo e fugiu de mim! Me deu um desespero tão grande naquele momento, corri tão rápido, o mais rápido que eu pude, eu sabia que se eu não o pegasse eu teria que deixá-lo.

Quando cheguei bem perto ele se jogou de costas na grama e me deixou pegá-lo. Olhei para trás, já estava longe do carro e os zumbis correndo em minha direção. Corri mais que eu pude, mas tropecei num elevado de grama e cai. O cachorrinho saiu correndo, no desespero eu só pensei em correr para o carro e foi o que eu fiz.

Olhei da janela do carro e não vi mais ele, quando de repente ele entrou pela porta da minha mãe, saímos em disparada. Antes de chegar à estrada ainda atropelamos mais alguns zumbis, o carro ficou bem sujo, o vidro quebrado e meu coração acelerado com se fosse explodir.

Passado o susto, contamos o que havia acontecido com Michel e fizemos planos de achar mais gasolina e água. O GPS do carro parou de funcionar, voltamos a usar o velho mapa. Depois de tanto sangue, tripas e outras nojeiras, por incrível que pareça, só consigo pensar numa lasanha. Como é que eu encontraria uma lasanha no fim do mundo?


Preciso pensar num nome para o cachorrinho, ainda não sei.